sábado, 16 de janeiro de 2010

Notícia: Dezembro o mês da farofa

Dias Lopes; O Melhor de Tudo

O povo brasileiro come farofa o ano todo, de norte a sul. Parceira de receitas tradicionais, feita com azeite doce (óleo de oliva) ou de dendê, manteiga ou outra gordura animal, incorporando miúdos, ovos, couve, banana, abacaxi, etc., ela se tornou unanimidade nacional, com a canja de galinha, a feijoada e o churrasco.

Habitualmente, é guarnição. Em certos lugares, porém, quando generosamente incrementada, ascende à condição de prato principal. Até os gaúchos, que a dispensavam, resolveram incorporá-la. Mas a farofa tem um período de glória: dezembro. Neste mês, seu consumo vai às alturas na ceia de Natal, harmonizada com o peru ou outra ave recheada, e no réveillon, enriquecendo o leitão assado.
Teoricamente criada pelos tupis-guaranis, grupo indígena que se distribuía do sul da Amazônia ao litoral brasileiro, deve ser preparada com a farinha de mandioca e só excepcionalmente com a de milho. Sua invenção antecedeu a colonização do nosso território pelos portugueses.
Alguns historiadores gastronômicos imaginam o que teria ocorrido. Para melhor aplacar os clamores do estômago e, intuitivamente, obter um alimento mais nutritivo, um tupi-guarani jogou farinha de mandioca na carapaça vazia da tartaruga que havia assado e saboreado. Só precisou aquecer o casco para a gordura se soltar. Estava inventado o prato. A receita existe até hoje e, obviamente, sua preparação é vetada pelo Ibama. Chama-se farofa do casco.
Os primeiros viajantes que desembarcaram no Brasil se encantaram com a prodigalidade da mandioca, palavra originária do tupi-guarani mandióg. Mas não se referiram diretamente à farofa. Sua existência pré-colonial, porém, é óbvia. Antigamente não tinha o nome de hoje. O atual veio do quimbundo, língua falada pelos bantos de Angola.
Câmara Cascudo, no capítulo sobre a farofa do livro Made in Africa (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965), explica como isso ocorreu. Houve sinergia gastronômica. Em princípios do século 16, quando os portugueses começaram a sequestrar negros nos atuais territórios de Angola, Benin, Guiné, Moçambique, Nigéria, São Tomé e Príncipe e Senegal para escravizar no Brasil, introduziram na África a mandioca e sua farinha.
Curiosamente, as populações africanas da região já dispunham de um tipo de farofa. Preparavam-na com milheto, uma combinação de grãos moídos de cereais e forrageiras. A receita nacional chegou e tomou seu lugar. Além de mais saborosa, saía de uma única planta fácil de cultivar, resistente às adversidades climáticas, de alto valor energético e baixo teor de proteína. Inicialmente, os africanos diziam falófia ou falofa, derivação de kuvala ofa, que significa parir (preparar) morto (frio), até porque determinadas receitas não iam ao fogo. Portanto, foram os negros desembarcados aqui entre 300 e 400 anos atrás que batizaram o prato de ascendência indígena. Antenor Nascentes, autor do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1932), sublinhou que os livros portugueses começaram a citá-la a partir da primeira metade do século 19.
Há três modos de produção da farinha de mandioca. No primeiro, mais difundido no País, lava-se, descasca-se, rala-se, prensa-se, esfarela-se, peneira-se e torra-se levemente a raiz da planta. É a farinha de pau ou farinha de guerra. No segundo, preferido na Amazônia, as raízes fermentam de três a cinco dias, antes de a casca ser retirada e prensada.
Assim se produz a farinha-d’água ou farinha puba. O último tipo é a farinha do Pará, também chamada de mista, por resultar da combinação da massa ralada de raízes frescas e fermentadas. Antônio Houaiss, no livro Magia da Cozinha Brasileira (Editora Primor, Rio de Janeiro, 1979), que escreveu e Alain Draeger fotografou, também divide a farofa em três grupos.
No primeiro, amolece-se a farinha de mandioca na água. Pode ser consumida com tempero refogado ou não. É a farofa d’água. No outro está a farofa de manteiga, ingrediente que pode ser substituído por outra gordura animal, azeite doce ou de dendê. O terceiro grupo é o da farofa de molho. Como as demais, possui nome explícito. Houaiss deu a receita: "Para cada quantidade do molho na frigideira, juntam-se, mexendo bem, duas a quatro (....) de farinha de mandioca." O trio comporta um número ilimitado de variantes. Houaiss almoçou na casa de um amigo e provou 83 modalidades de farofa! "Difícil era saber qual a melhor", disse ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog